Por Célio Barcellos
Gn 50 #rpsp
Há um trecho do poema, “Canção do Exílio”, em que Gonçalves Dias diz o seguinte:
“…Não permita Deus que eu morra//Sem que eu volte para lá…”
Neste poema, o poeta maranhense, conhecido como o primeiro poeta genuinamente brasileiro e que faz parte da primeira geração do Romantismo, ainda em Portugal, declama com exageros nacionalistas quando contrasta as belezas do Brasil com as paisagens europeias.
Confesso, que, também tenho saudades da minha terra e se Deus me permitir gostaria de passar os meus anos de aposentadoria por lá, e, quando morrer, poder ser enterrado na sepultura dos meus avós ou ter as cinzas lançadas no rio Itaúnas.

Ao ler este último capítulo do Gênesis em que José cumpre o acordo feito com o seu pai no leito da morte, de que não o sepultaria no Egito, mas que o levaria para junto da sepultura de Abraão e Isaque, noto a importância de cumprir a palavra e respeitar os sentimentos (Gênesis 49:29-33; 50:4,5).
José poderia simplesmente rejeitar aquilo e ainda forçar os seus irmãos a serem escravos no Egito, afinal, eles o maltrataram e a sua palavra era a segunda mais importante em todo o Egito, ficando atrás apenas do Faraó.

Contudo, o que me chama a atenção é a humildade de José em ir até o Faraó para poder cumprir o que havia prometido ao pai. E o Faraó, além de respeitar a decisão, autoriza e certamente, envia a sua guarda real para proteger o cortejo fúnebre do Egito até a terra de Canaã.
Além disso, a atitude de José mostra o primeiro princípio da liderança – o servir. Quem não está disposto a se submeter a instruções e até mesmo a observações, precisa amadurecer melhor a mente, desenvolver a humildade, para então assimilar a ideia de liderar.

Quem fala isso é o próprio Jesus ao confrontar os discípulos acerca das discussões entre si de quem seria o maior no Reino (Lucas 22:23-30).
Por consequência, ao você galgar na experiência cristã e assumir cargo de liderança, seja um membro na igreja local, pastor distrital ou até mesmo em cargos de instâncias superiores, o princípio do serviço deve te acompanhar sempre.
Provavelmente, o grande problema da atual geração é achar que sabe tudo e que não precisa de ninguém. Infelizmente, desconhecer o passado das pessoas que pavimentaram a estrada para o conhecimento e rejeitar aprender com os seus erros e acertos, não é uma atitude muito sábia.
Em suma, no que se refere a um pedido para ser sepultado num local específico como mencionado por Jacó, talvez não tenha nenhum sentido para alguém insensível e que não respeita autoridades e muito menos os sentimentos de alguém.
José não somente respeitou a autoridade do seu pai, como também honrou o sentimento dele expresso no leito da morte.
Claro, que, no sentido do cristianismo, se alguém não nutre a mesma vontade que Jacó e que tanto faz ser sepultado onde for possível, não há nenhum mal isso, pois a Sião terrestre num sentido escatológico não existe.
Dessa forma, nutrir expectativas sionistas é aguardar por uma ilusão à semelhança do sebastianismo medieval que imperou por séculos em Portugal.
Assim, do mesmo modo que o presente texto tem início a partir de uma citação poética, permita-me conclui-lo com Luís de Camões, o maior poeta da língua portuguesa, que diz o seguinte em seu soneto:

Na ribeira do Eufrates assentado,
discorrendo me achei pela memória
aquele breve bem, aquela glória,
que em ti, doce Sião, tinha passado.
Da causa de meus males perguntado
me foi: – Como não cantas a história
de teu passado bem, e da vitória
que sempre de teu mal hás alcançado?
Não sabes, que a quem canta se lhe esquece
O mal, inda que grave e rigoroso?
Canta, pois, e não chores dessa sorte.
Respondo com suspiros: – Quando cresce
a muita saudade, o piedoso
remédio é não cantar senão a morte.
Diante do exposto, à semelhança de Gonçalves Dias, Camões também estava no exílio.
A diferença, é que Dias estava em Coimbra aprendendo do latim e do português de Camões para então retornar ao Brasil e servir à sua Pátria.
Por outro lado, o exílio de Camões tem que ver com a fúria do rei que o enviou para algum lugar distante de Portugal, quando em nostalgias e até mesmo em ilusões, associa Portugal a Sião.
O interessante, é que na cabeça de um português medieval, os dias de glórias durariam para sempre, pois Portugal era visto como o Quinto Reino e Deus estava à frente de cada conquista.
Portanto, o que esta reflexão nos ensina é que não há nenhum problema em ter saudades e inclusive ser sepultado junto aos seus ancestrais.

Entretanto, o cuidado do cristão é não fixar a ideia de que aquele local é Sião, pois a verdadeira Sião não é o “campo de Macpela” adquirido por Abraão em Canaã (Gênesis 49:29-31), nem muito menos qualquer lugar lindo e maravilhoso que nos traga nostalgias, mas a Nova Jerusalém que desce do Céu, em que Abraão, Isaque, Jacó e os redimidos de todas as épocas serão ressuscitados e adentrarão os seus portais.